A queda nos lançou no abismo do pecado, na compulsão de pecar, no vício do pecado, neste miserável corpo desta morte. Para nós resta saber que o pior pecado é o pecado travestido de piedade. O pecado religioso dos fariseus afronta, confronta, tenta e finalmente jura Jesus Cristo de morte.
Pecado não é acidente de percurso, é parte de nossa natureza e não há meios de nos livrarmos dele, nem pela religião, nem pelo acetismo (abster-se de prazeres), nem pelo esforço próprio.
É nesta impotência da luta contra o mal e nesta constatação da força do pecado em nós que discernimos a grandeza da salvação proposta pelo sangue de Jesus Cristo na cruz.
O mistério da salvação revela a grandeza e a extensão do estrago causado pelo pecado em nós, mas não somente isto, revela a força e a inclinação para o mal que está em nosso coração. Só Jesus Cristo e seu Espírito têm força maior para fazer face a esta terrível inclinação. Quando discernimos a força e a extensão do pecado então passamos a discernir também a força e a extensão ainda maior da reparação.
O sangue derramado na cruz revela a sublimidade da vocação humana amada por Deus, mas também revela a miserabilidade da condição humana de pecado.
Uma espiritualidade alinhada com a cruz redentora significa a percepção profunda de nossa miserável condição de pecadores, de pecadores compulsivos e viciados em pecar. Significa perceber o custo e o tamanho da reparação na face amorosa de Jesus Cristo na cruz do Calvário. A espiritualidade cristã vive esta relidade revelada a partir do coração, e não somente a partir da compreensão intelectual da reta doutrina. Isto quer dizer que a percepção desta realidade atinge também nossos sentimentos e afetos.
No íntimo de nossa alma comtenplamos a Cristo o nosso Redentor e choramos pela nossa condição de pecadores. Contrição, arrependimento e confissão passam a fazer parte de nossa liturgia pessoal e comunitária. A confissão foi descartada de nossa prática eclesial, de nossa liturgia, até mesmo de nossas orações pessoais. No entanto, ela é essencial na nossa peregrinação por várias razões:
a) a cura das patologias (doenças)
O Salmo 32 afirma que o silêncio que esconde os pecados gera doença física e emocional e Tiago nos exorta a confessar nossos pecados para sermos curados. (Tg 5.16)
b) a superação da culpa
Muitos cristãos vivem em permanente estado de culpa, mas se defendem acusando outros, e transferindo a responsabilidade de suas dificuldades a outros: ao chefe, ao trabalho, à igreja, ao estado, à família, ao diabo, etc. Como fizeram Adão e Eva no jardim do Eden. A confissão nos ajuda a assumir a responsabilidade por nossas faltas e assim sermos libertos da culpa. Ser liberto da culpa através do perdão de Deus é a única maneira de fazer cessar a acusação a outros, perdoando-os de coração também. E vós, irmãos, não vos caseis de fazer o bem (Cl 3.13)
c) a superação do narcisimo (amor mórbido por si mesmo)
Na confissão saímos da superfície do "eu", dirigimos o olhar para fora de nós mesmos, experimentando perdão e a comunhão de Deus. Deixamos de lado o discurso egocêntrico, para colocar humildemente nossos olhos naquele que nos amou e nos salvou, nada mais nos resta senão obedecer e nos colocar a serviço do Reino de Deus.
d) a superação do isolamento
Na confissão comunitária nossas máscaras caem dando lugar a pessoas reais. Não havendo confissão; o contato com a realidade profunda de nossos esquemas de pecado e a impossibilidade de falar dela nos impele a falar do pecado dos outros, à maledicência. A confissão comunitária, diante da face amorosa do irmão que não julga e guarda o sigilo nos permite adentrar na verdadeira comunhão, sem máscaras, na transparência dos relacionamentos.
e) a superação da alienação
A confissão traz à tona o confronto de nossos esquemas "umbilicocêntricos" de busca de poder e prestígio religioso, com despreendimento e o amor de Jesus Cristo que "não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos" (Mc 10.45). Este confronto, certamente, nos leva a uma vida de serviço aos homens.
Um coração alinhado com a cruz vai experimentar no quebrantamento e na confissão "a tristeza segundo Deus que produz arrependimento para salvação que a ninguém traz pesar" ( 2 Co 7.10)
As lágrimas do quebrantamento, derramadas diante da cruz do Calvário, geram a indizível alegria de termos sido aceitos e recebidos por Deus.
Assim podemos dizer que o fundamento da vida cristã reside nesta celebração ìntima, de uma alegria indízivel e inexplicável, no profundo da alma, no regozijo de estarmos diante da face amorosa de Deus, que nos perdoa e nos recebe em sua presença. Sim, somos de fato pecadores redimidos pelo sangue de Cristo, sim, de fato estávamos longe e Deus nos fez filhos amados, não porque merecíamos, mas porque ele nos amou e nos salvou.


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